"Rainha das aves, encarnação substituto ou mensageiro da mais alta divindade uraniana e do fogo celeste - o sol, que só ela ousa fixar sem queimar os olhos. Símbolo de tamanha importância, que não existe nenhuma narrativa, ou imagem, histórica ou mítica, tanto em nossa civilização quanto em todas as outras, em que a águia não acompanhe, ou mesmo não os represente, os maiores deuses e os maiores heróis: é o atributo de Zeus (Júpiter) e do Cristo; é o emblema imperial de César e de Napoleão; e - tanto nas pradarias americanas como na Sibéria, no Japão, na China e na África - xamãs, sacerdotes, adivinhos e igualmente, reis e chefes guerreiros tomam seus atributos para participar de seus poderes.
A águia é tambem, o símbolo primitivo do pai e de todas as figuras da paternidade. Mas essa universalidade de uma imagem em nada diminui a riqueza e a complexidade do símbolo por ela subentendido. Procuraremos desenvolvê-lo por meio de aproximações de exemplos colhidos em fontes diversas.
Rainha das aves*: A águia coroa o simbolismo geral das aves, que é dos estados espirituais superiores e, portanto, o dos anjos* conforme a tradição bíblica tantas vezes atesta: ...Todos os quatro tinham face de águia. As suas asas que se tocavam e duas que cobriam o corpo; todos moviam-se diretamente para a frente, seguindo a direção em que o espírito os conduzia(Ezequiel, 1, 10-11-12). Essas imagens são uma expressão de trancedência: nada se assemelha, mesmo que se multiplicassem os mais nobres atributos da águia. E, no Apocalipse (4, 7-8): ... o quarto animal era semelhante a uma águia voando. Dionísio, cognominado o Aeropagita, explica a representação do anjo pela águia com as seguintes palavras: A figura da águia indica a realeza, a tendência para os cimos, o vôo rápido, a aglidade, a prntidão. a engenhosidade para descobrir alimentos fortificantes, o vigor de um olhar lançado livremente, diretamente e sem rodeios, para a comtemplação dos raios que a generosidade do Sol teárquico multiplica(PSE, 242).
A águia a fixar o sol é também o símbolo da percepção direta da luz intelectiva. A águia olha o sol bem de frente, sem temor,escreveu Angelus Silesius, e tu, o esplendor eterno, se teu coração for puro. Símbolo de comtemplação, daí a atribuição da águia a São João e ao seu Evangelho. Identificada ao Cristo em certas obras de arte da Idade Média, exprime, a um só tempo, sua ascensão e sua realeza. Esta segunda interpretação é uma transposição do símbolo romano do Império, símbolo que será o do Santo-Império medieval. Os Salmos, enfim, fazem dela um símbolo de regeneração espiritual, como a fênix*.
Ave solar: a águia é o substituto do sol na mitologia asiática e norte-asiática (ELIT,122), o mesmo ocorrendo nas mitologias ameríndicas, principalmente entre os índios das pradarias. Compreende-se fácilmente que a pluma da águia e o apito feito com osso de águia sejam indispensáveis para aqueles que devem enfrentar a prova da dança que olha o sol. Encontra-se a mesma identificação entre os astecas e também, no Japão: o Kami, cujo mensageiro ou suporte é uma águia denominada águia do sol.
Na representação que fazem do universo os índios zuni colocam a águia no quinto ponto cardeal que é o Zênite* (sendo que o sexto é o Nadir, e o sétimo, o Centro, lugar do homem)(CAZD, 256-257). Isso significa que a colocam no eixo do mundo, aproximando-se assim da crença dos gregos, para os quais as águias (enviadas por Zeus) partiam da extremidade do mundo e se detinham na vertical do ônfalo de Delfos, percorrendo desse modo a trajetória do sol, do nascer ao zênite, que coincide com o eixo (centro) do mundo.Ao ocupar, também, o lugar da divindade suprema uraniana, a águia, tanto no panteão índio como junto de Zeus, é considerada senhora do raio e do trovão.
Suas asas abertas, comenta Alexander, evocam as linhas recortadas do relâmpago*, bem como as da cruz*. Alexander vê, nas duas imagens da águia-relâmpago e águia-cruz, os símbolos de duas civilizações: a dos caçadores e a dos agricultores. Segundo esse autor, a águia, divindade uraniana, expressão do Pássaro-Trovão é a origem do emblema principal das civilizações de caçadores nômades, guerreiros e conquistadores: assim como a cruz (a cruz fliácea do México, que estiliza o rebento do milho dicotiledôneo) é o principal emblema das civilizações agrárias. Na origem das culturas índias, uma encarna o Norte, o frio e o princípio masculino; a outra é a característica do Sul, vermelho, úmido e cálido, e representativa do princípio feminino. Nesse ponto é preciso não esquecer, em função do que foi dito antes, que Norte e Zênite, Sul e Nadir relacionan-se como diante e acima, atrás e abaixo.
Mas, com o passar do tempo, unindo-se as duas civilizações,esses dois símbolos, originalmente antagônicos, sobrepõem-se e confundem-se: é singular que a cruz de forma geométrica simples, do tipo romano, se tenha tornado, no final, mesmo para os peles-vermelhas das planícies, o símbolo do falcão* ou da águia de asas estendidas, como também o da dicotiledônea do rebento de milho brotando da terra - e que isso haja sucedido de maneira autóctone, sem qualquer influência européia... De modo geral,o Pássaro-Trovão - águia de Ashur e de Zeus - à medida que o tempo passa e que as culturas se misturam, torna-se, também, Senhor da fertilidade e da terra, simbolizada pela cruz (ALEC,120)."
(Chevalier, Jean, 1906 - Dicionário de símbolos:(mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números)/Jean Chevalier, Alain Gheerbrant, com a colaboração de: André Barbault...[et al.]; coordenação Carlos Sussekind; tradução Vera da Costa e Silva...[et al.]. - 19º ed. - Rio de Janeiro:José Olympio, 2005, p. 22-23.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário